A sensação de secura do vinho tinto (parte 1)

A sensação de secura do vinho tinto (parte 1)

Durante o passado mês de março, percorremos grande parte de Espanha com o objetivo de desmitificar um dos tópicos mais frequentes da enologia: a sensação de secura dos vinhos tintos.

Durante o passado mês de março, percorremos grande parte de Espanha com o objetivo de desmitificar um dos tópicos mais frequentes da enologia: a sensação de secura dos vinhos tintos.

Neste artigo, trataremos de aclarar quais os mecanismos e parâmetros que provocam a secura. Falaremos do papel da variedade, maturação, stresse da vinha; extração; estágio e contaminações.

Se há pensado muitas vezes que a secura dos vinhos é provocada pelos taninos, no entanto, a realidade não é tão simples. A secura pode aparecer por diversos fatores tais como o excesso de maturação (efeito ardente do álcool), a madeira; a extração de taninos durante a fermentação das uvas sobre maturadas e por contaminações ou enfermidades microbiológicas.

Neste artigo desenvolvemos a secura produzida pelo álcool e os taninos, e no artigo posterior continuaremos analisando a secura provocada pela madeira e os contaminantes.

Secura em boca

A secura do álcool

Os enólogos que praticam a desalcooalização de vinhos conhecem bem o que os norte-americanos chamam de sweet-spot, é dizer, o grau alcoólico ótimo que deve ter o vinho para perceber a doçura do álcool em boca sem sentir a característica ardente. É essa característica entre ardente e secante do álcool em que nos vamos centrar em esta primeira parte.

A perceção do vinho em boca se divide em duas dimensões químicas: o gosto e o tato. O efeito sobre a língua, que se define por o gosto, inclui os sabores elementais (ácido, salgado, doce e amargo) enquanto o tato reúne três das sensações que participam na secura: refrescante; adstringência, ardente e metálica.

As sensações químicas estão relacionadas entre si. É importante definir o caráter ambíguo de estes descritores. O carácter ardente do álcool e o picante, reforçam a sensação de secura do vinho.

Quando o vinho passa pela boca, não se trata de conseguir uma sucessão de sensações, mas sim um equilíbrio entre todas elas para que fiquem ligadas entre si: o picante reforça a adstringência e o ardente a aumenta, mas de forma negativa (secura), em contrário, a doçura inibe a adstringência. Assim, todas juntas formam um equilíbrio que cria uma perceção global.

Assim como não existe uma sensação doce única ou uma sensação ácida pura, não existe uma só adstringência. O ácido pode ser verde quando se trata de ácido málico, duro quando falamos do tartárico ou agridoce no caso do lático.

Da mesma maneira, a adstringência pode ser tânica procedente de taninos de uva, de madeira ou proveniente de outras moléculas do tostado. Não tendo uma única forma, o provador tem que determinar sempre da qual de estas origens procede.

A adstringência participa junto com o álcool e a acidez no que definimos como o corpo, estrutura, relevo ou esqueleto do vinho. Esta estrutura, ácida para os vinhos brancos, é principalmente ardente ou adstringente para os tintos e sempre provoca uma agressão maior ou menor de boca.

A tendência enológica de estes últimos anos, onde a uva se vindima com maior grau alcoólico, vem seguindo a necessidade de chegar a uma perda de reatividade (verdor) dos taninos. Esta reatividade obriga aos enólogos a realizar todo um trabalho de estágio para permitir aos taninos maturarem por polimerização com o oxigénio.

Durante o processo de maturação da uva, os taninos se polimerizam com polissacáridos perdendo capacidade de reação com proteínas e oxigénio. O enólogo busca sempre uma maior maturação fisiológica para dispor de taninos pouco reativos, menor verdor e redução posterior.

Esta tendência de vindimar com elevada maturação, faz modificar as práticas de extração durante a fermentação, preferindo a extração em fase aquosa à extração em fase alcoólica. Não é o mesmo desencubar a 1020 de densidade para um vinho com potencial 13º ou de 15º.

Para limitar o efeito solvente do álcool, e ter uma extração equilibrada entre taninos e antocianos, devemos limitar a drenagem por remontagens longas. O fluxo de álcool extrai os taninos das grainhas.

No caso de álcool elevado, é também importante ter uma boa extração de gordura (polissacáridos). Em este caso devemos prolongar a maceração com tempo e temperatura, mas sem ação mecânica. É importante mascarar a estrutura ardente por viscosidade mais que por outra forma de aditivo.

sulfuroso na encuba também possui um poder solvente elevado que se vê reforçado pelo álcool. A utilização de doses elevadas de sulfuroso procede de regiões onde a extractibilidade, das uvas é muito baixa. Por tanto, a ideia de diminuir o sulfitado na encuba para não forçar a difusão de taninos excessivos é também uma possibilidade a ter em conta.

Sulfuroso e álcool, bons conservadores, maus solventes.

 

A secura pelos taninos

Se aos técnicos nos interessa a extração dos taninos desde um ponto de vista evolutivo do vinho, ao consumidor o que lhe interessa são os equilíbrios do vinho.

Muitas vezes provamos vinhos que, apesar de terem a mesma concentração em taninos ou (IPT), uns resultam ser harmoniosos ao contrário de outros são agressivos e adstringentes.

Equilibrio

Se um vinho é rico em antocianos mas tem pouco tanino existirá uma boa polimerização A-T, mas os antocianos sobrantes se oxidaram rapidamente, fazendo cair a cor e ficando o vinho ligeiro e desprotegido.

Se a concentração de antociano/tanino é a correta, obteremos vinhos mais carnudos em boca e bom equilíbrio.

Por outra parte, se o conteúdo de tanino é muito alto em relação de antocianos, estes taninos polimerizaram entre si e convertendo o vinho em uma cor mais telha e dotando-o de uma excessiva adstringência.

Uma vez extraídos os taninos (flavonoides), se polimerizam entre eles para chegar a moléculas mais polimerizadas e por tanto mais adstringentes. É o que chamamos à polimerização oxidativa com aumento da secura final. A única forma de minimizar esta evolução oxidativa é a presença de antocianos em quantidade suficiente para condensar com os flavonoides e tomar polímeros colorados mais estáveis.

Além da perceção química da adstringência dos taninos, reagem com as proteínas da boca, principalmente mucina e proteínas ricas em prolina (PRPs), para formar um precipitado que inibe o poder lubrificante da saliva. Este precipitado se valoriza pela sua granulometria e o seu carácter adesivo.

Na hora de expressar os taninos, igualmente como o álcool, também devemos distinguir as duas dimensões:

Dimensão táctil: Granuloso (poeirento, pastoso arenoso, granuloso) e aderente (pegajoso).

Dimensão química: adstringência e amargor.

Propomos uma metodologia completa para definir os taninos. Primeiro, a partir da intensidade tânica de adstringência, e segundo, a partir do precipitado e da secagem por definição da reatividade dos taninos:

  • Verdes ou jovens: taninos reativos frente à oxidação. Necessitam adição de oxigénio em estágio para poder evoluir. Sem trabalho de oxigénio (mais lenta que pontual) estes taninos verdes fazem que o vinho se reduza.
  • Duros: taninos idóneos para poder engarrafar sem riscos de fechar o vinho. É a maturação ótima dos taninos, desejável na hora de finalizar o estágio.
  • Secos: taninos estáveis, sem nenhuma reatividade, procedentes da vinha, da extração ou de um excesso de oxigenação tardia. A única forma de diminuir a adstringência é eliminar-lhos por clarificação ou de mascarar por lote ou aditivos (polissacáridos).

O modelo desenvolvido pelo Institut de Degustación (CQFD de Maurice Chassin), o centro com quem trabalhamos, é o que permite a todos os técnicos uma interpretação técnica da perceção para poder propor, por exemplo, um trabalho de estágio ou de clarificação.

Assim, em 1993, Patrick Ducornau e Maurice Chassin desenvolveram com Oenodev um modelo de seguimento da micro-oxigenação a partir da definição de evolução dos taninos verdes em duros e a obcecação de nunca chegar a oxigenar taninos secos.

A valorização do rácio gordura vs estrutura permite ter uma ideia clara da agressividade do vinho em boca ou da sua harmonia, sendo o maior critérios de valorização do vinho pelo consumidor. Em este caso, não o preocupa definir a reatividade dos taninos, só lhe interessa expressar a agressão da estrutura sobre a sua mucosa a partir do equilíbrio gordura vs estrutura. Por isso, há que considerar o poder da gordura do vinho na hora de mascarar a estrutura.

Consideramos 3 hipóteses:

  • Gordura elevada: a estrutura não se percebe. Falamos de vinho pesado por falta de corpo.
  • Harmonia entre gordura e estrutura: a estrutura só se percebe na hora de escupir. É o caso idóneo para poder beber o vinho em qualquer ocasião.
  • Agressividade da estrutura por falta de gordura ou excesso de taninos: o vinho consome-se em este caso exclusivamente comendo para aproveitar a gordura da comida.

Tecnicamente, além do estilo tânico, é importante definir a harmonia ou a agressividade do vinho para poder atuar, seja baixando a estrutura ou aumentando a gordura em função do estilo do vinho que se pretende propor ao consumidor final.

Por sorte, o vinho contem polissacáridos próprios ou adicionados que limitam a reação entre os taninos e as proteínas. Alguns de estes polissacáridos (pectinas) formam complexos terciários com o precipitado taninos-proteínas com melhor solubilidade. Outros polissacáridos (como a goma arábica) mascaram os taninos que não podem ligar-se com as proteínas.

De todas as formas, é importante considerar que, em função do polissacárido, a interação com taninos muda com a quantidade, o peso molecular e a longevidade da cadeia monossacarídeo. Isto significa que, a hora de provar o carácter inibidor de secura por adição de aditivos enológicos, é importante variar os produtos (glucose, derivados de leveduras ou gomas). Praticamente, observamos muitas vezas um efeito contrário: aumento da doçura ao início e aumento da secura no final, ao que lhe chamamos o efeito “contraste”. Quanto maior seja o poder suavizante, maior será o efeito contraste, sobre tudo em casos de vinhos estruturados.

Também é interessante ter em conta o potencial de secura por variedade.

Podemos classificar as variedades em função do risco de aparecimento de secura, e também relaciona-lo analiticamente a percentagem de taninos ligados com ácido gálico. Vemos que, de forma estatística, a Garnacha tem mais taninos adstringente com maior percentagem de taninos gálicos comparativamente à Syrah.

Variedades como o Pinot Noir, Nebiolo ou a Garnacha, têm maior tendência a secura por conterem maior concentração em taninos com ácido gálico que outras variedades como Syrah, Tinta Roriz ou Cabernet Sauvignon,

As técnicas de elaboração como a termo-maceração não só atuam sobre a extração de antocianos, também sobre o tipo de taninos em função da temperatura. Com maior aquecimento, maior extração de taninos de grainha, por tanto o enólogo deve decidir com precisão a temperatura de aquecimento.

 

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