Quando trabalhamos uma vinha não estamos realmente a cultivar uvas, mas sim a cultivar vinho. O objetivo não é produzir uma boa uva, nem muita uva, nem muito sã, mas sim aquela uva com as características especificas e na quantidade determinada que necessitamos para elaborar o vinho que queremos e não outro. Quanto mais se assemelha a uva ao vinho objetivo mais rentável será a adega tanto desse o ponto de vista financeiro como organolético.
A frescura do vinho pode ser conferida por diferentes famílias de aromas, muitos deles provenientes da vinha (pirazinas, tióis, norisoprenóides, terpenos, sesquiterpenos…).
Ou seja, ter um vinho fresco não implica necessariamente uma colheita em verde, pois também podemos alcançar frescura no perfil de fruta madura. O que é realmente necessário é ser capaz de levar cada parcela à maturação específica que nos dá o estilo de frescura que procuramos.
Do ponto de vista pragmático, a vinha é uma unidade de produção de vinho na sua forma mais incipiente, a uva. Uma unidade produtiva com 4 atores principais que coincidem com os 4 componentes do conceito de “terroir”: clima, solo, planta e o mais importante, o viticultor. Cada um deles é protagonista da frescura do vinho em maior ou menor grau.
O clima fornece água, dióxido de carbono e energia pelos raios de sol, mas como fornecedor da videira é bastante exigente e pouco constante. Além da sua pouca fiabilidade, tem grande influência no funcionamento de outro dos principais fornecedores da planta, o solo. Condicionando diretamente a sua capacidade de disponibilizar à videira os elementos nutricionais necessários. Por exemplo, em anos com invernos e primaveras muito chuvosos, isso limita a disponibilidade de Fe e K para a videira.
É por isso que a tarefa do principal componente do terroir, que é o viticultor, é ajudar o solo e a planta a corrigir os caprichos do clima que nem sempre nos dão o que as nossas uvas precisam e quando precisam.
O solo atua como uma fábrica de reciclagem que fixa matéria orgânica (folhas, restos de poda verde e de inverno, adubos minerais e adubos orgânicos) e com o trabalho de sua microfauna e de sua microbiota se decompõe e a transforma em húmus que se incorpora ao complexo húmico de argila húmica, que passa a ser o reservatório de abastecimento da videira, e a partir daqui, por mineralização, os nutrientes ficam disponíveis para serem absorvidos pelas raízes.
Quanto mais potente, saudável e equilibrado for este reservatório, mais água e mais nutrientes a videira terá à sua disposição, teremos um sistema radicular ativo e a planta será mais capaz de se adaptar ao clima, ou seja, por um lado, resistindo ao stress hídrico que é um dos piores inimigos da frescura, e por outro para se defender de patogénicos, pois terá melhor capacidade metabólica e aumentará a resistência de seus tecidos.
- Manter os níveis de matéria orgânica (MO) adequados à composição de argilas (por exemplo, com 10% de argilas necessitamos de 2% de MO enquanto com 20% de argilas uns 1,5% de MO é o suficiente).
- Manter um equilíbrio C/N que faça que essa MO seja digerível e transformável pelo solo num tempo razoável.
- Repor de forma regular e racional os elementos que se extraem em cada colheita (1,5Kg de K; 1Kg de N e 1/4Kg de P e de Mg por cada hectolitro de vinho que produzimos.
- Conjugar a disponibilidade com os tempos de absorção da videira que são diferentes para cada elemento segundo o estádio fenológico. Cada elemento tem a sua importância em um período determinado e além disso tem uma influência direta na capacidade da maturação.
Um vinho fresco, seja qual for a sua gama e o seu perfil de frescura, se obtém sempre de uma videira equilibrada e ativa, e esta é a tarefa do viticultor, que com o seu trabalho deve:
- Manter o solo vivo e com um suficiente complexo argila húmus.
- Um sistema radicular ativo, com areação suficiente e capaz de absorver os nutrientes.
- Uma superfície foliar adequada a carga de uvas e ao perfil que procuramos.
- E um sistema vascular que facilite e não restrinja a circulação da seiva até aos diferentes órgãos vegetativos.
Se basearmos a nossa frescura nas pirazinas, por exemplo em vinhos para o mercado anglo-saxão, a premissa será proteger os cachos da luz solar, para isso precisaremos de vigor e folhagem significativa e, consequentemente, níveis elevados de azoto e potássio adequados. Mas, ao mesmo tempo, procuramos um arejamento considerável para evitar acumulação de humidade e ataques de fungos, por isso é importante realizar um trabalho de poda verde para manter esse ambiente saudável.
Se dermos um passo adiante na maturação, a nossa frescura será construída por moléculas do tipo tiol / fruta fresca. Além de proteger os cachos da insolação excessiva, será importante atingir um alto nível de N assimilável no mosto (pelo menos 200 ppm), se prevermos que será menor, temos a possibilidade de aumentá-lo com aplicações de nutrientes orgânicos via aplicação foliar durante o pintor. Além de um pH moderado, podemos trabalhar regulando a absorção de potássio, por exemplo, usando magnésio como elemento antagônico.
Seguindo o caminho da maturação, passamos então por aquela fase neutra onde a frescura deve ser procurada nos aromas fermentais. O importante neste caso será ter uma uva sã e pouco extrativa, com um bom equilíbrio açúcar / acidez que nos permita trabalhar posteriormente os aromas durante a fermentação.
A última fonte de frescura da vinha encontra-se na fase de fruta madura, a degradação dos pigmentos das peliculas através do próprio metabolismo da planta e a insolação dão moléculas como norisoprenóides, terpenos e sesquiterpenos, que se expressam por exemplo com aromas florais como damascenona ou especiarias como rotundona.
Para atingir esses altos níveis de maturação com as uvas saudáveis, é importante
- Rer os cachos bem expostos e arejados
- Uma boa disponibilidade de K, que é um fator de maturação
- E prestar especial atenção à disponibilidade de Ca, que dá consistência às películas e assim ajuda a planta a resistir melhor à pressão microbiológica que habitualmente existe na vinha nestes últimos estádios de maturação.
Sem equilíbrio, não há frescura, mas há frescura em muitos equilíbrios.
O importante mesmo é definir qual é o ótimo para cada parcela e medir, interpretar e agir para chegar às melhores condições.
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